Quando decidiu assumir-se mulher trans, aos 13 anos, a estudante Jasmine Silva Correa, hoje com 17, não enfrentou preconceito dos colegas de sala de aula. “Naquele momento, não ouvi piadinhas e nem sofri bullying”, conta a aluna do terceiro ano do ensino médio da escola estadual Professor Clodonil Cardoso, em Iguape, no interior de São Paulo. Isso se deve, segundo a estudante, à abordagem da instituição de ensino sobre o tema, que fica naturalizado quando colocado em discussão. “A escola tinha falado tanto disso, que os alunos já perceberam que bullying não é uma coisa legal de fazer com uma trans e nem com ninguém.” Reconhecendo a importância do debate dentro da escola, o governo de São Paulo decidiu definir uma política pública voltada aos alunos LGBTQIA+ ampliando o Conviva SP, programa criado em 2019 que busca identificar vulnerabilidades em cada unidade escolar para a implementação do método de Melhoria de Convivência, além de atrelar ações proativas de segurança. A iniciativa teve início na segunda-feira (14) em uma escola de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, em reunião que contou com a primeira diretora trans da rede estadual, Paula Beatriz, com a deputada Erica Malunguinho (PSOL), que é mulher trans, e com representantes da Apeoesp (sindicato dos professores do estado) e do Fórum LGBT de Mogi das Cruzes, além de psicólogos, diretores e dirigente de ensino. “O jovem atualmente, seja por sua orientação sexual ou pela sua identidade de gênero, se reconhece cada vez mais cedo. E a escola precisa aprender a tratar esse estudante, desde o uso correto do pronome até a inclusão no programa pedagógico de forma igualitária”, explica Henrique Pimentel, chefe de gabinete da Seduc-SP (Secretaria da Educação do Estado de São Paulo), sob gestão João Doria (PSDB). Entre as ações em curso, há um projeto voltado para a formação continuada de todos os 240 mil profissionais de educação referente às questões de sexualidade e identidade de gênero, a continuação do mapeamento do nome social, que teve início em 2019, e o estímulo a debates por meio dos Clubes Juvenis. Alunos transexuais e travestis da rede estadual ganharam o direito de usar o nome social em 2015. Desde então, essa demanda cresceu 900% nas escolas, segundo a Seduc-SP. Naquele primeiro ano, 161 estudantes solicitaram a inserção do nome social no cadastro da Secretaria Escolar Digital. Em 2016, foram 256. Entre 2020 e 2021, o número subiu de 819 para 1.614 estudantes, um aumento de 97%. A estudante Natasha de Jesus, 36, já passou a usar seu nome social no seu retorno à escola, em 2021. Ela, que ficou quase 15 anos afastada das aulas por receio do preconceito, agora é aluna do último ano do EJA (Educação de Jovens e Adultos), onde encontrou um ambiente bem diferente daquele de quando abandonou os estudos, em 2007. “Quando comecei a minha transição, abandonei a escola na 7ª série porque não havia respeito. Trabalhei como profissional do sexo por quase 20 anos para sobreviver. Mas isso é passado”, afirma a estudante que, após concluir o ensino médio, pretende ser técnica em enfermagem. Natasha diz que teve receio de voltar a estudar e ser hostilizada em meio a tantos adolescentes. “Mas foi o contrário, todos os meus colegas foram acolhedores. Temos até grupos de estudo”, conta a primeira aluna transgênero da escola estadual Professor Fidelino Figueiredo, no bairro Santa Cecília, centro de SP. A estudante cita algumas políticas públicas que existem hoje e, segundo ela, não existiam no passado escolar. “Sou respeitada, sou chamada pelo meu nome social e uso o banheiro feminino.” Mas nem sempre os alunos e alunas transgêneros conseguem ter suas integridades física e psicológica garantidas. No dia 9 de fevereiro, uma aluna trans de uma escola em Mogi das Cruzes, a mesma do evento promovido pelo governo estadual, ficou ferida após apanhar de outros alunos em uma briga generalizada. Um vídeo da agressão viralizou e deixou a aluna ainda mais exposta. Pimentel explica que um trabalho de atendimento psicológico foi realizado tanto com a vítima quanto com os agressores. Ela está em casa tendo aulas virtuais para não perder conteúdo, enquanto decide se quer voltar a estudar naquela escola. Já eles, os alunos envolvidos na briga, foram suspensos das aulas por alguns dias, mas já estão de volta à escola. “O direito da educação é de todos. Optamos por não expulsar os alunos envolvidos na agressão, mas, sim, trabalhar com eles na conscientização para que compreendam seus atos e, com isso, evitar a reincidência. Isso faz parte da política pública. Trabalhamos com eles e com todos os alunos da escola para reinserirmos os estudantes num contexto normalizado, inclusive a vítima”, afirma Pimentel. O que aconteceu na escola na Grande São Paulo “é reflexo de uma sociedade violenta, que produz discurso de ódio e práticas de violência contra pessoas LGBT”, de acordo com Erica Malunguinho, a primeira deputada estadual trans eleita no Brasil, em 2018. “Essa violência é a tentativa de apagar e excluir pessoas LGBT. Quando na verdade a escola, espaço de sociabilização por onde toda a sociedade passa, deveria ser da diversidade. Não só o governo, mas a sociedade também precisa se conscientizar sobre esse processo.” Erica afirma que na reunião foi solicitado um posicionamento concreto do governo estadual em relação ao caso. “Essa violência é histórica. Por isso, não queremos apenas uma nota de repúdio, queremos uma resposta antidiscriminatória como marca de governo com políticas públicas eficientes.” A professora de filosofia Juliana Guariniello, mulher trans, conta que teve que driblar o preconceito para conquistar os diplomas de filosofia, pedagogia e mestrado. Atualmente, ela também é vice-diretora da escola estadual Professor Fernando Buonaduce, em Osasco, na Grande SP. O currículo dela, segundo a educadora, reforça a importância de um ambiente escolar saudável para evitar a evasão escolar. “Eu sei que sou exceção com minha formação. Lutei muito por ela. E hoje me sinto feliz em poder ser um espelho para outros alunos. É preciso conscientizá-los que é possível estudar e ir longe, por isso